O Roteiro Invertido:Os Tabus Familiares que a Mídia se Recusa a Mostrar
- Ana Olliveira
- 13 de nov.
- 4 min de leitura
Na novela, no cinema e no noticiário, o roteiro é claro e repetido à exaustão: o homem trai, o homem é o agressor, o homem abandona a família em busca de ambição. Ele é o provedor, mas também o vilão em potencial, o agente do caos. Em contrapartida, a mulher é a cuidadora, a vítima do abandono, a "mãe guerreira" que segura as pontas moral e emocionalmente.
Mas o que acontece quando o roteiro se inverte?
O que acontece quando é a mulher quem trai e abandona o lar por outro relacionamento? O que acontece quando ela é a agressora psicológica, minando o parceiro? O que acontece quando ela decide que a carreira é mais importante que a vida doméstica e deixa a guarda dos filhos com o pai?
A resposta é simples: a mídia entra em pane. Diante da inversão dos papéis, a grande mídia não aplica a mesma régua de julgamento. Ela não rotula a mulher como "vilã" com a mesma facilidade. Em vez disso, ela recorre a dois mecanismos: o silêncio ou o "floreio" — uma tentativa desesperada de justificar, explicar ou contextualizar o ato, para que ele não quebre o arquétipo da mulher como o pilar moral.
Vamos analisar os tabus que a mídia se recusa a mostrar.
A Traição "Justificada"
Quando um homem trai, a cobertura da mídia é sobre sua falta de caráter. Ele é "egoísta", "irresponsável", "incapaz de honrar seus votos". A pauta é sua ação. Quando uma mulher trai, a mídia instintivamente "floreia" a narrativa. A pauta muda da ação para a motivação. O debate não é sobre a traição em si, mas sobre "o que a levou a isso?":
"O casamento já estava morto."
"Ela se sentia sozinha e foi buscar a felicidade."
"O marido certamente era ausente, não a via, não a desejava."
A mídia busca ativamente uma justificativa que transforme a mulher de agressora moral em vítima das circunstâncias. O tabu aqui é a ideia de que uma mulher possa trair pelos mesmos motivos "banais" que um homem: desejo, tédio, oportunidade ou simples paixão por outra pessoa. A mídia não consegue processar a libido ou a escolha feminina como um agente de caos; ela prefere vê-la como uma reação à falha do homem.
A Ambição "Monstruosa" vs. o "Pai Provedor"
Um homem que trabalha 16 horas por dia, viaja constantemente e é emocionalmente ausente para "dar um futuro à família" é um clichê midiático. Ele é o "provedor". Sua ambição, embora prejudicial, é lida como responsabilidade.
Agora, inverta o papel. Uma mulher que decide priorizar sua carreira de forma tão agressiva, que opta por não ter a guarda principal dos filhos após um divórcio para focar em seu crescimento profissional.
O Roteiro Oculto: Isso é um tabu gigantesco. A mulher que prioriza a carreira sobre a maternidade da mesma forma que o homem não é vista como "ambiciosa" ou "provedora"; ela é sutilmente (ou abertamente) pintada como "negligente", "ausente" ou "desnaturada". A mídia não sabe celebrar essa mulher.
A Vítima Ignorada: O homem que fica com a guarda dos filhos nesse cenário também é ignorado. Ele não é celebrado como o "pai guerreiro"; ele é, muitas vezes, visto com suspeita ou pena, como o "fracassado" que não conseguiu ser o provedor principal.
O Tabu Supremo: A Agressora Psicológica
Nos últimos anos, a mídia (corretamente) evoluiu para nomear e expor o abuso masculino. Termos como gaslighting, controle financeiro, abuso narcisista e violência psicológica tornaram-se parte do vocabulário comum. O homem foi solidificado no papel de agressor em potencial.
O que a mídia não mostra é quando a mulher é a agente desse mesmo abuso.
A violência psicológica feminina é quase invisível. Quando ocorre, é "floreada" ou minimizada com outros nomes:
Não é "abuso"; é "drama" ou "chilique".
Não é "controle"; ela é "difícil de lidar".
Não é "violência verbal"; ela "tem o temperamento forte".
O maior de todos os tabus nesta área é a Alienação Parental. Embora não seja exclusiva das mulheres, é uma forma de abuso psicológico devastadora que a mídia mainstream evita a todo custo. É um tema judicialmente complexo que quebra de forma irrevogável o mito da "mãe protetora" e da "cuidadora inata".
A Consequência: O Homem Vítima Não Pode Existir
O motivo pelo qual todos esses roteiros são tabu é o mesmo: eles criam um homem vítima, e a mídia não tem um roteiro para ele. Na narrativa tradicional, a vulnerabilidade masculina não gera empatia; gera escárnio.
O homem traído não é a "vítima"; ele é o "corno" (uma figura ridicularizada).
O homem abandonado pela mulher ambiciosa não é o "pai solo"; é o "fracassado" que não conseguiu prover.
O homem vítima de abuso psicológico não é o "sobrevivente"; é o "fraco", o "dominado", o "pau-mandado".
Como a mídia não sabe como lidar com um homem que sofre sem ridicularizá-lo, ela prefere ocultar a agressora que o coloca nesse papel. É mais fácil fingir que essas mulheres não existem e manter o roteiro confortável do "homem vilão" e da "mulher vítima".
O problema dessa narrativa preguiçosa não é apenas a desonestidade. É que, ao se recusar a mostrar que mulheres podem ser tão complexas, falhas e, por vezes, tão cruéis quanto os homens, a mídia nega a elas sua própria humanidade. E, ao mesmo tempo, nega aos homens a permissão de serem vítimas.



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