O Fim do Casamento e o Desafio da Responsabilidade Compartilhada: A Construção de Narrativas no Pós-Término
- Ana Olliveira
- 26 de nov.
- 3 min de leitura
O término de um relacionamento longo é, invariavelmente, um processo de luto e reorganização. Quando a separação envolve a formação de novas parcerias e a presença de filhos, o campo de batalha emocional se intensifica. Neste cenário, é comum que a dor e a dificuldade de aceitar a nova realidade levem à criação de narrativas simplificadas sobre o que levou ao fim do casamento. A busca por um culpado claro e a resistência em reconhecer a própria contribuição para o fracasso conjugal são desafios psicológicos profundos que afetam todas as partes envolvidas.
O Mecanismo de Defesa: Projeção e a Busca pelo 'Vilão'
O ser humano possui mecanismos psicológicos de defesa projetados para proteger a autoimagem. Admitir que se falhou, que as atitudes e palavras foram destrutivas ou que o amor acabou por desgaste mútuo, é um exercício de humildade e autoconsciência extremamente doloroso.
Em vez de enfrentar a complexidade do fracasso, é muito mais fácil e reconfortante para o ego:
Projetar a Culpa: Atribuir toda a responsabilidade ao ex-parceiro.
Criar um Roteiro de 'Vítima e Vilão': Esta narrativa oferece uma sensação de controle e justiça moral, onde a pessoa que ficou é a "vítima santa" e o parceiro que partiu é o "traidor ou desertor".
Ignorar a Própria Parte: Concentrar-se na falha do outro (como a traição) permite que a pessoa ignore anos de conflitos, desrespeito ou negligência que possam ter contribuído para o distanciamento.
Essa negação pode ser tão convincente que a pessoa realmente acredita na própria versão, tornando-se incapaz de olhar para os "anos de convivência e ver o que fez".
A Narrativa unilateral e o Conflito de Lealdade dos Filhos
Um dos aspectos mais delicados do pós-término é a comunicação com os filhos. É compreensível que um pai ou mãe que sofre queira proteger a si mesmo e aos filhos da dor da verdade. No entanto, a criação de uma narrativa unilateral — "O pai/mãe traiu e nos abandonou para ficar com a amante" — sem admitir a crise preexistente, tem consequências severas:
Criação de Inimigos: Os filhos são forçados a absorver uma visão simplista e frequentemente distorcida de um dos pais.
Dano à Relação Parental: Ao pintar o ex-cônjuge como o único responsável e moralmente inferior, a parte que ficou mina a imagem paterna/materna e compromete a relação dos filhos com o outro genitor.
Conflitos de Lealdade: Os filhos são colocados na difícil posição de ter que escolher um lado, gerando ansiedade, culpa e ressentimento, elementos que compõem o quadro da Alienação Parental, mesmo que de forma não intencional.
A Demonização da "Terceira Pessoa"
A nova companheira ou companheiro é frequentemente transformada(o) no bode expiatório da separação. É mais fácil e menos ameaçador emocionalmente culpar uma figura externa (a "outra mulher", a "amante") por "roubar" o marido do que reconhecer que a relação conjugal anterior já estava esgotada e ferida internamente.
Essa demonização:
Simplifica a Crise: Desvia o foco dos problemas estruturais do casamento.
Dificulta a Transição: Torna a aceitação da nova realidade familiar impossível e perpetua o estado de guerra.
Impede a Evolução Pessoal: A pessoa que insiste em culpar o terceiro perde a oportunidade de olhar para si e aprender com os erros cometidos no relacionamento anterior.
O Caminho da Responsabilidade e da Superação
O espelho, nesse contexto, não é apenas um objeto físico, mas um convite à autoavaliação. Olhar-se honestamente e reconhecer a própria responsabilidade — pelas palavras ditas, pelas atitudes negligentes ou pela falta de amor que corroeu a união — é o passo mais difícil, mas o mais libertador.
A superação verdadeira exige que se pare de buscar o "culpado" e se comece a procurar a verdade do relacionamento, por mais complexa e compartilhada que seja. Para os filhos, a narrativa mais saudável não é a de um vilão, mas sim a de dois adultos que tentaram, falharam e, por fim, encontraram caminhos separados, preservando o amor e o respeito mútuo pelos laços que ainda os unem: a paternidade e a história que construíram juntos.



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