Quando a “inclusão” é só discurso: a vida real das pessoas com deficiência no Brasil
- Rafael Leon

- 4 de nov.
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de nov.
Falo a partir do que vejo no dia a dia: famílias e pessoas com deficiência batendo em portas que se dizem “inclusivas”, mas que seguem fechadas. O Brasil adora posar de vitrine — a foto bonita, o slogan, o selo de acessibilidade — porém, na prática, a administração pública e muitos planos de saúde criam barreiras que negam terapias, atrasam autorizações e empurram quem mais precisa para um labirinto burocrático. É a sociedade que se vende como inclusiva, mas mascara seus preconceitos.
O que vejo nos casos (sem nomes, mas com a verdade)
Terapias negadas ou limitadas: fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, psicopedagogia, fisioterapia… ora por “falta de rede”, ora por “limite de sessões”, ora por “método não coberto”. Enquanto isso, a janela terapêutica vai embora.
Exigências absurdas de documentos: laudos “com data de ontem”, formulários próprios, carimbos “no padrão”, CID “correto”, tudo para ganhar tempo e desestimular o exercício de um direito. “Rede disponível” só no papel: indicam clínicas a quilômetros de distância, sem agenda, sem equipe, sem método adequado; quando a família pede reembolso para tratar onde há vaga real, vem a negativa.
Fila que não anda e perícias que não olham a pessoa: no SUS, a marcação demora; no INSS, o BPC/LOAS e outros direitos são indeferidos por laudos superficiais que não enxergam as barreiras do cotidiano. Escola e trabalho que não acolhem: matrícula “aceita”, mas sem cuidador, sem plano pedagógico individualizado, sem acessibilidade. No mercado de trabalho, cumpre-se cota com função esvaziada e sem adaptação razoável.
Transporte e cidade hostis: calçadas quebradas, ônibus sem manutenção de elevadores, prédios públicos com rampas impraticáveis. Isso não é exceção. É um padrão que revela o que muita gente prefere não dizer em voz alta: há capacitismo estrutural. E enquanto fingimos para “inglês ver”, quem precisa de cuidado e respeito fica à margem.
O que a Constituição e as leis determinam (e que precisam valer na prática)
Não é favor, é direito! Constituição Federal: Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e igualdade (art. 5º, caput). Objetivo de promover o bem de todos, sem discriminações (art. 3º, IV). Saúde como direito de todos e dever do Estado (art. 196). Prioridade absoluta a crianças e adolescentes (art. 227). Assistência social a quem dela necessitar (arts. 203 e 204), incluindo o BPC.
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), com status constitucional no Brasil: obriga acessibilidade, não discriminação e ajustes razoáveis. Lei Brasileira de Inclusão – LBI (Lei 13.146/2015): garante acessibilidade, atendimento prioritário, educação inclusiva, saúde sem discriminação, trabalho com adaptações e proíbe limites indevidos que esvaziem o direito.
Política Nacional da Pessoa com TEA (Lei 12.764/2012): reconhece a atenção integral à saúde e veda tratamento desigual por motivo de deficiência. Leis de atendimento prioritário e acessibilidade (v.g., Lei 10.048/2000; Lei 10.098/2000): não é “cortesia”, é obrigação.
Traduzindo: terapias prescritas por equipe habilitada devem ser garantidas com qualidade, método e frequência adequados; quando a rede não tem vaga real, cabe reembolso; quando a fila não anda, cabe judicializar; quando a escola não adapta, há violação de direito.
Onde está o nó?
Burocracia como estratégia: protelar custa menos para quem nega do que custear o tratamento.
Falta de estrutura e gestão: rede credenciada insuficiente, equipes incompletas, contratos mal fiscalizados. Capacitismo institucional: a pessoa com deficiência é vista como “custo”, não como sujeito de direito. Desinformação: muitos não conhecem os próprios direitos — e é assim que a engrenagem da negativa continua girando.
O que fazer — passos práticos que ensino aos meus clientes.
Documente tudo: laudos atualizados, relatórios funcionais, prescrição com método e frequência (ex.: 4x/semana), evolução terapêutica e registro de faltas de agenda. Protocole por escrito: peça por protocolo as autorizações. Pela negativa (ou silêncio), peça a fundamentação escrita. Cheque a “rede indicada”: ligue, registre data, horário, nome do atendente, prazos oferecidos. Se não houver vaga no prazo clinicamente adequado, isso prova indisponibilidade.
Reembolso: trate onde há vaga e guarde notas e comprovantes; quando a rede falha, o reembolso integral é o caminho. Escola e trabalho: exija plano pedagógico individualizado, cuidador, adaptação razoável. No trabalho, laudo ocupacional e ajustes.
Ação judicial quando necessário: peça tutela de urgência, destaque a prioridade do caso (CF, art. 227; CPC, art. 1.048), junte provas de negativa e de indisponibilidade de rede e cobre método, frequência e início imediato.
Minha visão
Não aceito a ideia de que “é assim mesmo”. Não é. A Constituição e a LBI já disseram o que precisa ser feito. Falta cumprir. Enquanto a “inclusão” for só peça publicitária, sigo ao lado de quem enfrenta a fila, a negativa, o “volte amanhã”. A pessoa com deficiência deve ser parâmetro de políticas públicas — e não exceção tolerada.
Se você vive isso, aqui está o que posso fazer por você. Análise do seu caso (administrativo e judicial).
Plano de ação para obtenção e manutenção das terapias com método e frequência adequados. Provas estratégicas para demonstrar a indisponibilidade de rede e exigir reembolso quando cabível.
Defesa da educação inclusiva (adaptações, cuidador, acessibilidade).
Orientação sobre BPC/LOAS e perícias.
Se este texto fez sentido para você — ou para alguém que você conhece que está nessa luta — compartilhe. E vamos conversar: estou presente para ouvir sua história, organizar a documentação e fazer o direito valer na prática.



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