O Fim do Amor Não Pode Ser o Fim da Responsabilidade: As Consequências Legais de um Divórcio Hostil
- Ana Olliveira
- 7 de nov.
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de nov.
Quando a recusa em aceitar o fim se torna uma arma contra os filhos, a Justiça é chamada a intervir. Um ambiente de brigas e ofensas diárias não é apenas um "problema de casal": é um ilícito civil e pode ser crime.
O Campo de Batalha Doméstico
"Raros são os divórcios em que os casais se tornam amigos". Esta reflexão, que soa familiar para tantos brasileiros, é o ponto de partida para uma discussão urgente. O fim de um relacionamento é um processo de luto, complexo e multifacetado, resultado de "várias questões envolvidas".
O problema agrava-se quando uma das partes se recusa a aceitar o fim. A insistência transforma o lar num "ambiente hostil, com brigas e ofensas diárias". É a dolorosa realidade de "um matando o outro aos poucos e silenciosamente".
Mas o que acontece quando esse campo de batalha tem testemunhas e vítimas diárias? O que a legislação brasileira diz sobre pais que, por orgulho ferido ou negação, submetem seus filhos a esse tipo de violência?
Este artigo explora as graves consequências legais — cíveis e criminais — de manter uma família refém de um conflito que já deveria ter terminado.
1. A Violência Invisível: O Dano Psicológico
Muitos associam "violência" apenas à agressão física. No entanto, o cenário de "ofensas diárias" é a definição clássica de violência psicológica.
A legislação brasileira, especialmente no contexto da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06, Art. 7º, II), define violência psicológica de forma muito clara. É qualquer conduta que:
Cause dano emocional;
Cause diminuição da autoestima;
Vise degradar ou controlar ações e decisões do outro;
Seja praticada através de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, insulto e chantagem.
Quando uma criança é forçada a viver nesse ambiente, ela não é apenas uma espectadora: ela é uma vítima direta dessa violência. Estudos psicológicos são unânimes: não é o divórcio que mais causa danos aos filhos, mas a intensidade e a frequência do conflito entre os pais.
2. A Pergunta Chave: Isso é Crime?
A resposta é complexa, mas direta: sim, muitas das ações dentro desse ambiente hostil são crimes.
É crucial distinguir as duas esferas legais:
Cível (Vara de Família): Lida com guarda, pensão, multas e indenizações (danos morais).
Criminal (Vara Criminal): Lida com ações que o Estado considera tão graves que são puníveis com pena de prisão.
O ambiente hostil que descrevemos é um "terreno fértil" para vários crimes:
1. Crime de Violência Psicológica (Art. 147-B do Código Penal)
Desde 2021, a legislação brasileira criminalizou especificamente a violência psicológica contra a mulher. O ato de "causar dano emocional à mulher (...) que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações" é crime, com pena de 6 meses a 2 anos de reclusão. As ofensas diárias e a tentativa de "matar silenciosamente" o outro se enquadram aqui.
2. Crime de Maus-tratos (Art. 136 do Código Penal)
Este crime não se refere apenas a agressão física. O artigo inclui "expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade...". Submeter uma criança, de forma contínua e deliberada, a um ambiente de terror psicológico, brigas intensas e ofensas, é comprovadamente uma forma de expor a perigo a sua saúde mental, o que pode configurar este crime.
3. Crimes contra a Honra (Art. 139 e 140 do Código Penal)
As "ofensas diárias" não são "coisas de casal". Elas têm nome:
Difamação (Art. 139): Espalhar fatos ofensivos sobre o outro para terceiros (parentes, amigos).
Injúria (Art. 140): Ofender a dignidade do outro diretamente (chamar de "fracassado", "louca", etc.). Quando isso é feito na frente dos filhos, o dano é agravado.
4. Crime de Ameaça (Art. 147 do Código Penal)
Frases como "Você nunca mais vai ver seus filhos" ou "Você não sabe do que eu sou capaz se me deixar" são crimes de ameaça.
3. A Resposta Cível: Indenização e Perda da Guarda
Mesmo quando não chega a ser um crime, o ambiente hostil tem consequências severas na Vara de Família. O pilar de toda decisão judicial aqui é o Princípio do Melhor Interesse da Criança (Art. 227 da Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA).
A Lei da Alienação Parental (Lei 12.318/2010)
Um ambiente de hostilidade extrema é, muitas vezes, uma forma de alienação parental. Embora a lei seja frequentemente associada a "falar mal do outro", ela é mais ampla. Criar um ambiente de brigas constantes onde a criança se sente culpada ou é forçada a testemunhar a desqualificação de um dos pais é um ato que prejudica o vínculo e a saúde mental, enquadrando-se na lei.
As sanções por alienação parental (que é um ilícito civil, não um crime) vão desde advertências e multas até a alteração da guarda.
"Amar é faculdade, cuidar é dever."
Conclusão: O Foco na Parentalidade Funcional
Voltemos à reflexão inicial: "raros são os divórcios em que os casais se tornam amigos". A lei não exige amizade. A amizade pode ser uma utopia diante de tanta mágoa.
O que a lei, a Justiça e, principalmente, a saúde mental dos filhos exigem é a "parentalidade funcional": um pacto de civilidade e respeito mínimo, onde os adultos entendem que seus papéis de parceiros acabaram, mas seus papéis de pais são eternos.
Manter uma criança em um ambiente hostil, usando-a como espectadora de uma guerra de egos, não é "lutar pela família". É falhar no dever fundamental de proteção. A separação é dos adultos; os filhos jamais deveriam ser vítimas dela.



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