Divórcio e Manipulação: Quando os Filhos se Tornam Armas (A Visão da Psicologia)
- Ana Olliveira
- 7 de nov.
- 5 min de leitura
Atualizado: 14 de nov.
O Divórcio que Não Acaba
O fim de um casamento é, por si só, um processo de luto e reorganização. No entanto, quando uma das partes não aceita o término, o campo de batalha pode mudar de foco: do casal para os filhos.
Muitos pais e mães, tomados pela raiva, mágoa ou sentimento de rejeição, podem, consciente ou inconscientemente, começar um processo de manipulação devastador.
Quando uma mãe, por exemplo, não aceita o fim e usa a criança para punir o ex-parceiro, ela está a falhar na sua função mais básica de proteção. A psicologia tem um nome para isto: Alienação Parental.
O Que é a Alienação Parental? A Visão Clínica
A Alienação Parental (AP) é um termo usado por psicólogos, terapeutas familiares e pelo sistema de justiça para descrever um processo em que um genitor (o "alienador") utiliza táticas para "programar" a criança, com o objetivo de que ela rejeite e odeie o outro genitor (o "alienado"), sem qualquer justificação real.
Do ponto de vista psicológico, o que acontece é:
Instrumentalização da Criança: O filho deixa de ser um sujeito com necessidades próprias e torna-se um objeto, um instrumento de vingança.
Conflito de Lealdade: A criança é colocada numa situação impossível. Ela sente que, para ser amada e leal à mãe (com quem vive), precisa "odiar" o pai. Amar o pai é visto como uma traição à mãe.
Transferência de Sofrimento: A mãe, incapaz de processar o seu próprio luto e raiva, projeta esses sentimentos na criança, que passa a agir como porta-voz da dor da mãe.
O Manual Silencioso da Manipulação
Especialistas identificam um padrão de comportamentos que o genitor alienador utiliza. Muitas vezes, estas táticas são subtis e disfarçadas de "preocupação":
A Campanha de Desqualificação: Falar mal do pai, expor os seus defeitos (reais ou inventados), criticar o seu novo estilo de vida, o seu trabalho ou os seus novos parceiros. ("O teu pai não nos ama mais", "Ele trocou-nos por outra família").
Dificultar o Contato: Criar obstáculos constantes para as visitas. A criança "fica doente" subitamente antes da visita, há sempre um "compromisso inadiável" (uma festa, um trabalho da escola), ou a mãe "esquece-se" de atender as ligações do pai.
Distorcer a Realidade: Mentir sobre o passado, fazendo o pai parecer negligente ou perigoso. Pequenos erros são transformados em falhas de carácter graves.
Recompensar a Rejeição: A criança é recompensada com afeto, presentes ou aprovação quando repete as críticas ao pai ou quando se recusa a vê-lo.
Vitimização Extrema: A mãe coloca-se constantemente como a "vítima" abandonada, fazendo a criança sentir-se culpada por querer estar com o seu "agressor" (o pai).
O Preço Invisível: As Cicatrizes na Criança
Este é o ponto mais grave. A criança vítima de alienação parental sofre um abuso emocional severo. Os especialistas alertam que as consequências psicológicas são profundas e podem durar a vida inteira:
Ansiedade Crónica e Depressão: A criança vive num estado constante de stress, tentando gerir um conflito que não é seu.
Baixa Autoestima: Ela internaliza a ideia de que é "metade má" (a metade que veio do pai odiado).
Sentimento de Culpa: Sente-se culpada por amar o pai (traindo a mãe) ou por rejeitar o pai (indo contra os seus sentimentos naturais).
Dificuldades de Relacionamento Futuras: Na vida adulta, estas crianças podem ter enorme dificuldade em confiar nos outros, em formar vínculos saudáveis e podem repetir padrões de manipulação.
Síndrome da Falsa Memória: Em casos graves, a criança pode ser tão manipulada que passa a acreditar em eventos de abuso ou negligência que nunca aconteceram, apenas para justificar a rejeição.
Sinais de Alerta: Como Identificar a Alienação no Comportamento Infantil
Os pais (ou familiares) que estão a ser alienados devem estar atentos a mudanças no comportamento da criança. Nenhum sinal é definitivo sozinho, mas o conjunto é um forte indicativo:
Rejeição Injustificada: A criança odeia o pai, mas não sabe dar motivos concretos ou usa desculpas triviais ("Ele comprou-me o brinquedo da cor errada").
Discurso "Adulto": A criança usa palavras e argumentos que claramente não são seus; ela repete o discurso do genitor alienador.
Visão "Preto e Branco": A mãe é vista como 100% boa e o pai como 100% mau. A criança perde a capacidade de ver que ambos têm qualidades e defeitos.
O "Pensador Independente": A criança insiste firmemente que a decisão de rejeitar o pai é dela, e que ninguém a influenciou.
Extensão do Ódio: A criança passa a rejeitar não só o pai, mas toda a família paterna (avós, tios, primos), mesmo que antes tivessem uma boa relação.
Ausência de Culpa: A criança demonstra uma frieza surpreendente ao insultar ou rejeitar o pai, sem demonstrar culpa ou remorso.
Nota Importante: É crucial que especialistas (psicólogos peritos) diferenciem a Alienação Parental da Rejeição Justificada. Por vezes, a criança rejeita um genitor porque foi, de facto, vítima de abuso ou negligência grave por parte dele. Nesses casos, a mãe que protege a criança pode ser injustamente acusada de alienação. A avaliação profissional é essencial.
O Que Fazer? O Caminho Terapêutico e Legal
Se suspeita que está a ser vítima deste processo, ou que o seu filho está a ser manipulado, o tempo é crucial.
1. Apoio Psicológico:
Terapia para a Criança: É urgente. A criança precisa de um espaço neutro para poder expressar os seus verdadeiros sentimentos, sem medo de desagradar a mãe.
Aconselhamento ao Pai (Genitor Alienado): É fundamental aprender a reagir. O pai deve manter a calma (não "atacar" a mãe de volta na frente da criança), ser persistente e não desistir do filho.
Terapia para a Mãe (Genitor Alienador): Este é o passo mais difícil, pois ela raramente aceita que tem um problema. A terapia ajudá-la-ia a processar o seu próprio luto e a separar o seu papel de ex-esposa do de mãe.
2. Ação Legal:
A Alienação Parental é reconhecida por lei em muitos países (incluindo o Brasil, Lei nº 12.318/2010) como uma forma de abuso.
Procure um Advogado: Informe o tribunal sobre o que está a acontecer.
Peça uma Perícia Psicológica: O juiz pode nomear um psicólogo perito para avaliar a família e confirmar (ou descartar) a alienação.
Decisões Judiciais: Se comprovada a AP, o juiz pode tomar várias medidas, desde advertir a mãe e aplicar multas, até ampliar o tempo de convivência com o pai ou, em casos extremos, inverter a guarda para proteger a saúde mental da criança.
Conclusão
O divórcio é o fim de um relacionamento entre dois adultos. Nunca deveria ser o fim da relação de um pai ou de uma mãe com o seu filho.
A criança que é forçada a escolher um lado é a maior vítima deste processo. Ela não está a rejeitar o pai; ela está a ser ensinada a fazer isso para sobreviver emocionalmente no ambiente em que vive.
Proteger os filhos desta guerra é a maior responsabilidade de ambos os pais. Se não o conseguirem fazer sozinhos, é imperativo procurar ajuda profissional e legal.
(Nota do Autor: Embora este artigo tenha usado o exemplo de uma mãe que não aceita o divórcio, conforme a pergunta original, a Alienação Parental pode ser praticada por qualquer um dos genitores, mães ou pais, e as consequências para a criança são igualmente devastadoras em ambos os casos.)



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